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Um Preto-Velho indo à Igreja

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Ilustração: Ramira Yuri Ribeiro. Neste episódio, você vai ouvir um pouco da história de vida do Pai Antônio, no tempo em que ele acompanhava a “Sinhazinha” aos domingos até a porta da igreja.

Transcrição do Episódio

Oi, pessoas! Bom dia, boa tarde, boa noite! Sejam bem-vindos a mais um episódio do podcast “alma de poeta”. Hoje, esse áudio é para eu não perder o foco! Porque, inicialmente, esse podcast foi idealizado para compartilha com vocês as poesias do Pai Antônio. E faz um tempão que eu não falo nenhuma poesia dele, não é verdade? Eu já estou até me cobrando por causa disso! Meu nome é Evandro Tanaka, eu sou médium umbandista e nesse podcast a gente fala sobre Umbanda, Espiritualidade, Mediunidade e também sobre as poesias do Pai Antônio.

A poesia que eu vou compartilhar com vocês hoje, eu lembro que eu recebi do Pai Antônio em um domingo de manhã. Foi uma das poucas poesias que eu recebi dele e que percebi que ele estava sozinho comigo, sem mais nenhuma outra Entidade acompanhando. Isso me marcou, sabe?

Nesse dia, o Pai Antônio parecia estar meio emocionado, um sentimento assim de nostalgia, sabe? De saudade, talvez… E nós, médiuns, quando estamos recebendo mensagens do plano espiritual, acabamos também captando os sentimentos da Entidade. Não é? Quando o espírito é de luz, como o Pai Antônio, a gente capta todo o amor, o carinho, os sentimentos elevados que a entidade carrega. Por outro lado, quando a entidade é sombras, o médium também consegue captar todas as emoções e sentimentos desequilibrados, consegue captar a raiva, o menosprezo, a indiferença e a maldade do espírito comunicante.

Bom, voltando aqui para a poesia, primeiro deixa eu ambientar vocês sobre o momento em que se passa a história. Essa, na verdade, é uma das passagens da vida do Pai Antônio como escravo, um causo, como ele gosta de dizer. A história aconteceu lá por volta do ano mil setecentos e trinta e pouco. Eu não saberia dizer exatamente qual foi o ano. Mas é o que me foi passado.

O lugar é uma fazenda localizada no Vale do Paraíba, interior do Estado de SP. Também não me foi passado o local exato. O Pai Antônio diz que essas informações são desnecessárias e que a espiritualidade costuma tomar um certo cuidado com as coisas que falam para a gente, porque nesse caso, por exemplo, da poesia, a personagem que interagiu com o Pai Antônio na época está encarnada hoje. E sei lá… para evitar algum tipo de problema ou constrangimento, eles preferem ocultar algumas informações.

Mas, vamos lá! Eu vou recitar a poesia para vocês. Essa poesia se chama “A Missa”.

Era um dia formoso de domingo
e preto-velho acordou sorrindo
porque ia para a igreja rezar!
Toda semana, no dia santo,
a sinhazinha, cheia de encanto,
chamava o preto pra acompanhar!

Preto-velho arreava os cavalos
e com as mãos, cheinhas de calos,
preparava feliz a carroça!
Então esperava, dentro da cocheira,
às vezes, por horas inteiras,
para poder levar sinhá-moça!

Da fazenda até o povoado,
preto-velho seguia calado,
ouvindo a sinhazinha cantar.
Até os pássaros se envergonhavam,
nos doces acordes que ecoavam,
daquela voz fininha no ar.

A sinhazinha tinha o canto suave,
como o canto da mais bela ave,
que preto nunca vai esquecer!
Ela cantava as músicas mais belas,
com seu jeito meigo de donzela,
fazendo o caminho florescer!

Ao chegar na frente da igreja,
preto-velho, com ligeireza,
ajudou sinhazinha a descer.
Ela deu um sorriso maroto,
fingindo desequilibrar um pouco,
para ver preto-velho correr.

Depois seguiu para ver a missa
ajoelhando no altar, submissa,
para louvar o Nosso Senhor!
Preto-velho ficava lá fora,
olhando a beleza daquela hora,
e rezando com muito fervor!

Naquele dia, o padre da igreja,
falou a todos, cheio de certeza,
sobre um terrível Deus ameaçador.
Depois fez proposital agravo,
apontando para o negro escravo
e dizendo: "Olhem o pecador!"

"Este negro nunca foi batizado,
e não passa de um pobre coitado,
sem ter nada para oferecer a Deus!
"Vós que sois homens de bens,
oferecei à Igreja o que tens,
para não agirem como este ateu!"

Preto-velho ficou envergonhado,
e baixou a cabeça, desconfortado,
vendo os olhares de desprezo.
Mas a sinhazinha, lá perto do altar,
com seu sorriso maroto a iluminar,
encorajou o preto-velho indefeso.

No caminho de volta pra fazenda
a sinhazinha, toda cheia de renda,
observou preto-velho calado.
Então, com olhar meigo, ela disse:
"Aquele padre só fala sandices,
ele é um homem despreparado."

"Antônio, jamais te aborreças,
quando apontarem para tua cabeça,
acusando-te de ser pecador.
Pois conheço-te desde criança,
e deposito, em ti, a confiança,
quando tu falas no Deus Criador!"

"Eu me lembro, quando era pequena,
logo depois da primeira novena,
quando tu falaste de Zambi Protetor.
Espero que chegue logo este dia,
e que possamos ter a sabedoria
de compreender o teu Deus de Amor!"

Preto-velho chorou emocionado,
ouvindo o ensinamento iluminado,
saindo da boca daquela menina!
A sinhazinha foi o anjo mais puro
igual à luz que brilha no escuro,
irradiando a Bondade Divina!

Eu não sei quanto a vocês, mas eu achei tão legal essa história! Quando essa história aconteceu, eu acho que o Pai Antônio já devia ter uma certa idade. Porque ele me confidenciou que na época ele já não fazia mais trabalhos pesados, de ir para a lavoura ou de trabalhar no engenho. Porque nos últimos anos da vida dele, ele ficou encarregado de cuidar apenas da casa grande.

Então ele cuidava do jardim, tratava dos animais, arrumava uma coisa ou outra coisa para consertar… E aos domingos, ele levava a filha do senhor de engenho para assistir as missas de domingo. Ele diz que esse era o dia mais feliz da semana para ele! E o trajeto entre a fazenda e a vila demorava mais ou menos uns 40 minutos de charrete. E para ele era um verdadeiro prazer aquilo. De levar a sinhazinha para a igreja aos domingos.

Ele conta que naquela época, os negros escravos não podiam entrar na igreja, pelo menos não nas ocasiões quando estava tendo missa. Então os escravos ficavam esperando a missa acabar do lado de fora da igreja. Mas enquanto os outros escravos preferiam ficar esperando perto dos cavalos, das charretes, o Pai Antônio gostava de ficar na porta da igreja, olhando para dentro. Ele gostava de ficar admirando as imagens dos santos, enquanto o padre falava e pensando em Deus.

Nesse dia, em particular, ele estava lá, como sempre, na porta da igreja, olhando para dentro, enquanto a missa acontecia, quando de repente o padre da paroquia aponta na sua direção, chamando ele de pecador, dizendo para as pessoas não serem igual a ele, não serem igual àquele escravo não tinha nada para oferecer a Deus.

É claro que o Padre da Paróquia estava usando o Pai Antônio como exemplo, coagindo moralmente as pessoas a contribuírem financeiramente com a igreja, a darem o dízimo. Na poesia, o padre fala” vós que sois homens de bens, oferecei à igreja o que tens, para não agirem como esse ateu”.

O Pai Antônio, coitado, disse que travou naquela hora, ficou sem reação. Porque a igreja toda olhou em sua direção e ele queria só um buraco debaixo da terra para poder sumir!

Só que dentre tantos olhares de reprovação que ele recebeu, havia um olhar de compaixão, o olhar da sua sinhazinha. E esse olhar de compaixão foi o que sustentou ele naquele momento.

Daí ele conta que na volta para a fazenda, ele voltou todo cabisbaixo, todo envergonhado por ter sido objeto de menosprezo. Foi quando a sinhazinha, usando da sua sensibilidade, falou aquelas palavras tão bonitas e confortadoras para ele. O Pai Antônio diz que hoje ele sabe que, naquela hora, a sinhazinha recebeu uma inspiração do plano astral, dos bons espíritos, para confortar o coração daquele escravo, naquele momento. Ela foi, inconscientemente, um instrumento mediúnico para passar uma mensagem amorosa para o Pai Antônio.

Eu estou tentando passar para vocês as percepções que eu tive enquanto escrevia esses versos. Porque é claro que, apesar da poesia ser linda, os versos, por si só, não conseguem trazer a riqueza de detalhes que só a percepção mediúnica consegue captar. O que me chama a atenção, nessa história, é o respeito que a sinhazinha tinha pelo Pai Antônio. Ela fala, na poesia, que ela se lembra, desde pequenininha, quando ouvia o Pai Antônio falar sobre Deus, sobre Zambi, explicando para a sinhazinha ainda menina, que o Deus que ele acreditava era um Deus de amor, um Deus de bondade. E não aquele Deus ameaçador pintado pela igreja católica.

E pelo que eu sei, gente, pelo que me foi contado. Não pelo Pai Antônio, que ele é muito discreto nesse aspecto, mas por outras Entidades, é que o respeito, não era apenas da sinhazinha, mas de todos os membros familiares da casa grande, principalmente do Senhor de Engenho.

Ao longo da vida, ele foi angariando respeito, primeiro dos companheiros negros de cativeiro, depois dos capatazes e administradores da fazenda e, por último, ele acabou ganhando o respeito do senhor de engenho e de sua família.

Eu quero aproveitar esse áudio aqui para tirar algumas dúvidas que eu recebi de algumas pessoas e que eu acho que seria bem legal da gente conversar. Até porque essas são dúvidas muito comuns para quem não é da Umbanda.

Bom, uma das perguntas, quem fez foi a Stephanie, ela mora em SP. A Stephanie me perguntou, um dia desses, se na Umbanda existe o sacrifício de animais. Não, gente, não existe o sacrifício de animais na Umbanda. Esse é um questionamento que muita gente faz. Olha só… pensa comigo: a Umbanda é uma religião que preza pelo respeito à vida de todos os seres vivos. A Umbanda tem profundo respeito pela natureza e pelos animais. Então, vocês não acham que seria meio contraditório de amar a natureza, respeitar a vida e fazer sacrifícios de animais? Eu, pelo menos, na minha ignorância, acho que não tem lógica isso.

Esse sacrifício de animais, as pessoas chamam de ritual de corte. E eles são mais comuns nos cultos de nação. Nas cerimônias ligadas ao candomblé… às vezes à kimbanda. Mas a Umbanda, apesar de respeitar, não pactua com esse tipo de ritual. Tá bom?

Uma outra pergunta que eu vi foi com relação a oferendas. Será que a gente precisa ir até o ponto de força do Orixá para fazer uma oferenda? O que vocês acham? Se eu quero fazer uma oferenda para Oxum, por exemplo, será que eu preciso ir até a beira de um rio ou até uma cachoeira? Não precisa gente! Se fosse assim, imagina aquela pessoa pobre que mora no interior de Matogrosso e que quer fazer uma oferenda para iemanjá?

Ela teria que atravessar três Estado para chegar até a praia e fazer a sua oferenda para Iemanjá. Vocês acham que Iemanjá, sendo um poder divino, ao ouvir a súplica daquela pessoa, vai deixar de atender aquele pedido, simplesmente pelo fato de que a pessoa não tem recursos para viajar até a praia? Claro que não, gente! ela pode deixar de atender o pedido, mas vai ser por outras razões: por falta merecimento ou por falta de permissão de Deus, mas nunca porque a oferenda foi feita no lugar errado! Isso não existe.

Quer fazer uma oferenda para o Orixá ou para uma Entidade? Arruma um cantinho na sua casa, monta um altarzinho simples, acende uma vela, coloca uma flor e faz a sua oferenda! Se for um agrado para o preto-velho, coloca lá uma canequinha de café… Quer fazer uma oferenda para o baiano? Bota lá umas lasquinhas de coco… quer fazer uma oferenda para Oxóssi? Põe umas frutas no seu altar… para qualquer tipo de oferenda que você for fazer, mais do que os ingredientes, o que vale é a intenção.

Faça a sua oferenda com o coração e com mente direcionada para aquilo que você tá pedindo, focado no seu desejo ou no seu agradecimento. Sim, porque a gente não faz oferenda só para pedir. A gente faz oferenda também para agradecer. E essas, aos olhos das Entidades e dos Orixás, são as mais bonitas que tem. Porque quando você agradece, eles recebem a melhor parte que existe de você!

Outra coisa que eu quero falar para vocês com relação a oferendas. Gente, umbandista que é umbandista de verdade, evita ao máximo ficar fazendo oferendas nos campos de força dos Orixás. Porque o campo de força dos Orixás é a natureza! E a Umbanda ama e respeita a natureza. Não tem sentido a gente bater no peito dizendo que a Umbanda considera a natureza sagrada, se a gente fica poluindo-a com oferendas.

Tem uns espíritos de porco que vão até à praia, às matas, nos rios, fazem suas oferendas, e deixam um monte de lixo jogado no local. Garrafa, plástico, pano, louça… depois acham ruim quando as pessoas ficam apontando o dedo e chamando de macumbeiros. E com razão, né?

Então, gente! Vamos fazer as nossas oferendas, de preferência, dentro das nossas casas ou entro dos terreiros, mas se vocês quiserem mesmo ir até a natureza para fazer as oferendas, façam essas oferendas da maneira mais ecológica possível. Evitem acender velas nesses locais, evitem deixar lixo. Cuidem bem da natureza, porque ela é a casa dos nossos Orixás, dessas forças divinas que nós tanto reverenciamos como umbandistas.

E por hoje é isso, gente! Vamos agir de maneira consciente! Vamos deixar esse planeta melhor do que nós o encontramos! Vamos fazer a nossa parte! Espero que vocês tenham gostado e não deixem de acompanhar os nossos próximos episódios nas principais plataformas de áudio: Spotify, Amazon Music, Google Podcast, Deezer, Apple Podcast, AnchorFm, Youtube e também pelo nosso site “almadepoeta.com.br“. Um grande abraço a todos, que o nosso Pai Olorum os abençoe e até o nosso próximo encontro!

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