Transcrição do Episódio
Olá, meus irmãos e minhas irmãs de caminhada! Ouvintes do Alma de Poeta! Tudo bem com vocês? Antes de iniciar esse episódio eu queria desejar novamente um feliz ano novo para todos! Espero que vocês tenham passado boas festas, bons momentos com a família, com os amigos. E vamos lá para mais um ano, né! Cheio de gás, cheio de energia, para a gente fazer acontecer! Esse ano eu pretendo intensificar ainda mais os nossos estudos aqui no Podcast, as nossas conversas sobre Espiritualidade, sobre mediunidade e, principalmente sobre Umbanda. Afinal de contas, essa é a proposta do Podcast, né? Trazer conhecimento e tentar esclarecer um pouco mais essa religião que é tão linda, tão rica, mas ao mesmo tempo tão incompreendida pela nossa sociedade. Dessa religião que é tão diversificada nas suas ritualísticas, e ao mesmo tempo mantém a simplicidade dos guias espirituais que nela se manifestam. Para quem ainda não me conhece, o meu nome é Evandro Tanaka, eu sou médium umbandista e a nossa proposta aqui é conversar sobre Umbanda, Espiritualidade, Mediunidade e levar até vocês um pouquinho das poesias de um preto velho.
Bom, gente, vamos lá! No último episódio do ano passado, a gente conversou sobre o Orixá (ou os Orixás) que vão reger o ano de 2022. Lembra? Segundo a previsão de muitas das casas, de muitos terreiros, a regência vai ser feita por Ibeji e por Oxumaré. E olha só que interessante: muitos terreiros de Umbanda, principalmente aqueles que trabalham numa vertente mais tradicional, não costumam homenagear tanto o Orixá Oxumaré.
Ibeji, tudo bem, né! Já é um Orixá mais consagrado na Umbanda. É o Orixá que sustenta a Linha dos Erês. Agora, Oxumaré é um orixá muito pouco cultuado na Umbanda. Eu conheci pouquíssimas casas que faziam homenagens específicas para esse Orixá. E é sobre ele que a gente vai conversar hoje.
E como eu disse para vocês, são poucos os terreiros de Umbanda que prestam homenagem a esse Orixá, pelo menos de uma maneira direta. Ele é mais conhecido nos cultos de Nação, onde quase todos os terreiros de Candomblé que seguem a cultura Nagô, de uma certa maneira, reverenciam esse Orixá. Então, apesar de ser relativamente conhecido entre os umbandistas, Oxumaré não tem uma presença forte nos terreiros de Umbanda.
Mas assim, na doutrina de Rubens Saraceni, que a gente chama de Umbanda Sagrada, Oxumaré tem sim uma posição especial. Bom, Rubens Saraceni tinha uma maneira toda particular dele de interpretar a Umbanda, né? E ele colocava Oxumaré na mesma força irradiadora de Oxum. O que significa isso? Rubens Saraceni divida as qualidades de Deus em Sete (que eles chamava de tronos). Então tem o trono da fé, o trono do amor, o trono do conhecimento, da geração, justiça, evolução e da ordem. Esses são os sete tronos divinos, segundo a visão de Rubens Saraceni. E cada um desses tronos tem duas polaridades: o positivo e o negativo. Então, Oxumaré estaria inserido no Trono do Amor, junto com Oxum.
A única diferença é que Oxum seria um Orixá Universal, ou seja, um Orixá positivo que irradia o amor, enquanto que Oxumaré seria um Orixá Cósmico, aquele Orixá responsável por absorver os excessos, os desequilíbrios das questões ligadas ao campo amoroso.
Então, imagina o seguinte: tem uma pessoa que não sente nada por ninguém. Sabe aquela pessoa que não ama ninguém, que não sente carinho por ninguém? O que falta na vida dessa pessoa? Que ela desenvolva o sentimento de amor dentro dela. Daí, segundo a doutrina da Umbanda Sagrada, seria o papel de Oxum, como Orixá Universal, de irradiar o amor divino dentro do coração daquela pessoa.
Agora, imagina o contrário: tem aquela pessoa que ama, ama muito! Sabe aquele amor doentio, aquele amor possessivo? Um amor carregado de ciúmes! Então, eu nem preciso falar que esse é um amor desequilibrado, né? Um sentimento excessivo. Então, na visão da Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni, não é o amor de Oxum que deveria agir na vida dessa pessoa. Porque sentimento de amor, ela tem de sobra, mas é um amor doentio, desequilibrado. Daí, o que acontece? Oxumaré começa a agir na vida daquela pessoa, também no Trono do Amor, mas apenas para absorver os excessos negativados, aquilo que está em desequilíbrio dentro dela. Vocês conseguiram entender a diferença de Oxum e Oxumaré no Trono do Amor? Mas, como eu disse, isso é dentro da doutrina da Umbanda Sagrada de Rubens Saraceni.
Já na Umbanda Popular, que particularmente para mim, é a Umbanda que toca mais o meu coração, Oxumaré representa os ciclos da vida, em todos os sentidos. Ciclos da vida, que eu falo, assim, é no sentido de reinício. Daí, você que é uma pessoa estudiosa da Umbanda, você pode chegar para mim e perguntar assim: Espera aí… Ciclo da vida, reinício… Isso aí pressupõe o final de um ciclo e o começo de outro. Para mim tem uma certa familiaridade com Obaluaê, que é o senhor das passagens, o senhor da morte (no sentido figurado).
E vocês não estão errados com relação a isso. Eu também entendo dessa maneira. Só que Obaluaê está mais ligado a uma energia desagregadora, destruidora. Obaluaê faz morrer aquele ciclo que não tem mais razão de ser na sua vida e logo em seguida passa o bastão para Oxumaré. É Oxumaré que vai reiniciar um novo ciclo. Então, num primeiro momento, Obaluaê destrói, mata aquilo que não precisa continuar e, logo depois, já passa a bola para Oxumaré. Toma que agora o filho é teu. A minha parte eu já fiz. Vocês conseguem perceber como a atuação de um Orixá interpenetra na atuação de outro Orixá. A energia de um se misturando na energia do outro.
E quando a gente fala nesse ciclo de reinício, muita gente acaba confundindo com a energia de Ibeji também. Só que a gente tem que prestar atenção numa diferença importante. Ibeji, para nós, representa o início, enquanto que Oxumaré representa o reinício. Vamos dá um exemplo tosco aqui para deixar mais claro isso:
Imagina que eu terminei o ensino médio e estou querendo fazer uma faculdade. Daí, depois de muito pensar, de refletir, fazer teste vocacional e papapá, eu decido fazer medicina. Eu decidi que quero ser médico. Até aí, beleza! Eu começo a fazer a faculdade, começo a estudar, começo a comprar livros. Percebam que esse é o INÍCIO dessa nova fase da minha vida. E por ser o início, o Orixá que vai estar regendo aquele fase vai ser quem? Ibeji! Ibeji vai estar trabalhando para a formação de um médico. Eu citei médico aqui só como exemplo, tá gente. Pode ser advogado, engenheiro, qualquer coisa…
Beleza, continuando. Daí eu estudo medicina um ano, dois anos, três anos. E eu começo a perceber que aquilo não é para mim. Que eu não me identifico com aquela área. Aquele curso está me fazendo mal. Eu não consigo ver sangue, eu não consigo assistir as aulas práticas com cadáver. A partir daquele momento que as coisas começam a me fazer mal, um outro Orixá começa a atuar na sua vida, que é a força de Omulú (ou Obaluaê, dependendo da interpretação). Omulú vê aquilo que está me fazendo mal e destrói. Ele trabalha no sentido de matar aquilo que está te prejudicando.
E vamos imaginar que na força de Obaluaê, eu desisti de fazer medicina e mudei de curso. Comecei a fazer… sei lá… música! Nossa, que virada na minha vida, hein gente!! De medicina para música! Mas, enfim, o que eu quero que vocês entendam é que nesse momento em que eu larguei a medicina e comecei a fazer música, ocorreu uma renovação no meu ciclo de vida, foi um reinício. E esse reinício foi marcado pela presença de Oxumaré. Vocês entendem?
Então, o começo de algo está ligado à energia de Ibeji, o fim de algo está ligado à energia de Omulú e o reinício de algo está ligado à energia de Oxumaré, da cobra que morde o próprio rabo num ciclo infinito de renovação.
E eu já falei no episódio anterior que Oxumaré tem dois símbolos, né? Além da cobra, ele também é representado pelo arco-íris. E é interessante que algumas lendas africanas dizem que Oxumaré passa metade do tempo como cobra e metade do tempo como arco-íris. Quando Oxumaré está na sua forma de arco-íris, ele representaria a parte masculina da criação. E quando Oxumaré está na sua forma de serpente, ele representaria a parte feminina da criação. Aqui a gente já consegue visualizar que Oxumaré exerce o seu domínio, não só no elemento água (afinal de contas, o arco-íris acontece em decorrência das gotículas de água que ficam suspensas no ar), como Oxumaré também exerceria o seu domínio sobre a terra, já que ele se transformaria em serpente para rastejar sobre a terra.
E foi dessa interpretação africana que algumas pessoas, aqui no Brasil, começaram a acreditar que Oxumaré, às vezes se apresenta como masculino, às vezes se apresenta como feminino. Algumas pessoas falam que Oxumaré é metade homem e metade mulher, justamente por causa dessa característica que ele tem.
E assim gente, eu não sei se é coincidência ou não (eu deixo para vocês tirarem as suas próprias conclusões), mas vocês perceberam que o símbolo do arco-íris de Oxumaré é o mesmo símbolo do movimento LGTBQI+? É interessante isso, né? E uma coisa não tem nada a ver com a outra. Bom, mas isso foi só um comentário à parte. Se bem que, eu nessas minhas andanças pela Umbanda, eu percebi que as pessoas homoafetivas tem uma conexão muito forte com Oxumaré. Talvez seja em decorrência desse princípio masculino e feminino que se manifesta em uma única divindade.
Apesar de que, na cultura Iorubá, Oxumaré é identificado com o aspecto preponderantemente masculino. Tanto é que, segundo os estudiosos do idioma iorubá (e eu estou falando isso por coisas que eu ouvi e não por coisas que eu estudei, porque eu não sei nada de iorubá), a pronúncia correta é Oxumarê e não Oxumaré. Quem entende do idioma fala que o som fechado “ê” no final, representa o gênero masculino. Por essa razão, as pessoas pronunciam Oxumarê, por se tratar de uma energia masculina. Mas isso não quer dizer que Oxumaré não tenha também o aspecto feminino dentro de si. Porque ele une as duas características: o feminino e o masculino misturados no seu poder.
E sabe o que eu acho interessante desse Orixá? É que ele está muito ligado às questões envolvendo felicidade e prosperidade. E eu acho interessante porque a Umbanda costuma cultuar Oxum como a senhora do outro, a senhora da riqueza, não é verdade? Só que lá na África, a riqueza e a prosperidade estava mais ligada a Oxumaré.
Eu, particularmente, penso que a Umbanda começou a cultuar Oxum com determinadas características de Oxumaré. E eu não sei se teve ou não alguma influência da Umbanda Sagrada. O fato é que hoje, na Umbanda, Oxum e Oxumaré são muito próximos. Tem até um ponto muito bonito que liga esses dois Orixás. Ouve só:
[Ponto de Umbanda – Ayeyê Oxumaré]
Ayeyê Oh! Ayeyê Oxumaré! E você sabe qual é o ponto de força de Oxumaré? Não vem falar para mim que é o arco-íris porque não dá para a gente ir até o arco-íris e firmar uma vela. Os pontos de força de Oxumaré são aqueles rios com corredeiras fortes, sabe? São aquelas águas sinuosas que parecem uma serpente, ou então são aqueles locais próximos às quedas dágua.. São nesses dois pontos específicos que nós costumamos tirar as águas sagradas de Oxumaré.
Na Umbanda, Oxumaré é sincretizado com São Bartolomeu. E por isso Oxumaré é comemorado no dia 24 de agosto.
E sabe com relação à cobra? É engraçado porque lá na África, a cobra não tem a mesma conotação negativa que tem aqui no Brasil. Aqui no Brasil a gente associa cobra com traição, né, com algo ruim. Mas na África, a cobra era considerada um elemento puro, muito ligado à saúde. E no xamanismo (olha só que coincidência), a cobra é um animal de poder associado à cura física e espiritual. No xamanismo, a cobra também está muito ligada ao poder de transmutação, de renascimento. Olha só como diversas correntes religiosas e filosóficas diferentes tem pontos em comum, né? Eu acho lindo isso!
E lembra que eu falei que os negros africanos viam o arco-íris como o elemento da natureza que estancava a chuva? Então, quando está caindo aquela tempestade que não para, a gente costuma pedir para Oxumaré para fazer parar de chover. Ou, metaforicamente, quando estamos com muitos problemas na nossa vida, costumamos pedir para Oxumaré para estancar aqueles problemas, para fazer parar o nosso sofrimento.
Era essa complementação que eu queria fazer sobre Oxumaré. E eu queria aproveitar esse episódio para compartilhar com vocês uma mensagem maravilhosa que eu recebi do Leonardo Pontes, ele mora na cidade de Ribeirão Preto, interior de SP. O Leonardo entrou em contato comigo, inicialmente pelo site Alma de Poeta, incentivando o trabalho que a gente tem feito aqui no podcast, de divulgar conhecimentos, de falar sobre Umbanda. E a gente acabou estabelecendo um diálogo bem bacana. Durante o nosso bate-papo, o Léo falou que também fez um curso de sacerdócio, inicialmente para buscar conhecimento. E realmente, eu percebi que ele é uma pessoa que traz uma bagagem de conhecimento e de experiência muito grande.
Então eu pedi a permissão para o Léo para compartilhar com vocês um dos áudios que ele me enviou e que eu achei fantástico. Eu agradeço, Leonardo, porque as suas palavras vem enriquecer ainda mais o nosso podcast.
[Áudio do Leonardo]
É isso aí, Léo! Vamos nos falando! Com certeza! E o meu convite para você participar de alguma gravação futura aqui do podcast está de pé! A hora que você quiser. Eu, particularmente, vou aprender muito sobre o que você tem a nos ensinar sobre Umbanda e eu tenho certeza que todos que ouvirem vão agregar bastante conhecimento.
Porque vocês perceberam, né gente? O tanto de conhecimento que essa pessoa carrega! E eu me sinto honrado de saber que existem pessoas de tanta sabedoria e de tanta humildade, assim como é o Leonardo, se dispondo do seu tempo para poder compartilhar experiências com a gente. Muito obrigado, Leonardo, por você ter entrado em contato com o Alma de Poeta.
Eu fiquei muito feliz com as suas mensagem. E como eu disse para você, Léo, está tudo anotadinho aqui no meu caderninho, das sugestões que você me passou para conversar nos próximos episódios. Muito obrigado, de coração, pela sua atenção e pelo seu carinho.
E assim, a gente chega ao final de mais um episódio. Espero que vocês tenham gostado. Se vocês curtiram, continuem acompanhando o Alma de Poeta nas principais plataformas de áudio. Nós estamos presentes no Spotify, no Deezer, no Amazon Music, no Google Podcast, Apple Podcast, Youtube… e você também pode acompanhar todos os episódios no nosso site “almadepoeta.com.br”. Entrem lá para dizer um “oi”, para mandar uma mensagem que eu vou ficar muito feliz!
Um grande abraço a todos e que o nosso Pai Oxumaré abençoe esse ano de 2022 com a sua renovação! Arroboboi, meu pai!